No início de setembro, foram divulgados diversos casos de cães gravemente intoxicados por petiscos contaminados. Os tutores de cães relataram que os animais começaram a passar mal pouco tempo após o consumo de petiscos produzidos pela empresa Bassar Pet Food, comercializados com os nomes Dental Care, Every Day e Petz Snack Cuidado Oral.
Até o momento, cerca de 50 casos de morte e outros inúmeros casos de internação estão sendo investigados para confirmar a ligação entre os petiscos supostamente contaminados com etilenoglicol. Ao todo, 10 estados (MG, SP, DF, RJ, SC, PR, RS, AL, SE e GO) têm relatos de intoxicação com características semelhantes.
As causas da contaminação ainda não foram descobertas e o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e a Polícia Civil continuam com as investigações.
Como aconteceram as intoxicações?
Logo após a ingestão do petisco, os tutores notaram que os cães começaram a ter muita sede, vômito e prostração. Depois de poucos dias, desenvolveram insuficiência renal aguda, além de alguns deles apresentarem lesões renais que resultaram no óbito. A partir dos sintomas observados nos cães e dos resultados de algumas necropsias, surgiu a suspeita de intoxicação por etilenoglicol.
O etilenoglicol é um solvente orgânico muito usado como anticongelante automotivo e em equipamentos resfriadores na conservação de alimentos. Ele tem uma ação extremamente tóxica e a ingestão de produtos com essa substância é uma situação de emergência, tanto para os animais quanto para os seres humanos. Em concentrações bem menores também pode ser usado em cosméticos e tintas.
“Esse tipo de intoxicação não é tão comum no nosso país, justamente porque o etilenoglicol é um produto muito mais usado em países de clima frio, como os Estados Unidos. No entanto, embora tenhamos casos esporádicos deste tipo de intoxicação, com produtos (como o anticongelante para automóveis), nessa situação, em que houve muitos casos de intoxicação, devido à uma contaminação do propilenoglicol com o etilenoglicol, verifica-se que não só a contaminação em domicílio pode ocorrer. De fato, é muito mais alarmante essa situação em que vários animais, de diferentes estados foram acometidos, por uma contaminação do produto. O ocorrido, infelizmente às custas de várias vidas desses animais, revelou que o processo de fabricação de produtos sem um rigoroso cuidado na confecção pode promover intoxicação e morte dos animais.” explica a Profª Drª Silvana Górniak, do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.
O quadro de intoxicação
Quando o animal ingere algum alimento ou produto com etilenoglicol, o primeiro sinal que ele apresenta é a aparência de “embriaguez”, com o andar incoordenado e desorientado. Depois disso, com o sistema nervoso acometido, o animal fica deprimido e mais quietinho, às vezes agressivo. Percebe-se também a redução da temperatura corporal e uma respiração ofegante. Durante essa fase inicial, o animal, em geral, tem muita sede e ingere mais água do que o normal. Como o etilenoglicol causa uma irritação no estômago, o vômito também é comum, podendo ter sangue ou não no conteúdo eliminado.
Depois dessas primeiras horas, conforme o cão metaboliza o etilenoglicol no fígado, é produzido o oxalato de cálcio, uma substância extremamente nociva ao organismo. Ao alcançar os rins, essa substância causa uma grande lesão e pode provocar quadros de insuficiência renal aguda, levando à morte em menos de 72 horas caso o animal não seja tratado precocemente. Com o desenvolvimento dessa insuficiência aguda, os rins perdem a sua capacidade de filtrar o sangue e de eliminar as substâncias prejudiciais do corpo. Durante o desenvolvimento da lesão renal, o animal pode ter náuseas e vômitos, convulsões e parar de produzir urina.
Mas, sabendo que é tóxico, como foi parar em um alimento para cães?
Ainda não está completamente esclarecido o que causou a contaminação, mas sugere-se que os petiscos foram contaminados a partir do uso de uma outra substância, de nome muito parecido e função muito diferente, o propilenoglicol. Ele é um aditivo alimentar, permitido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), utilizado na indústria alimentícia para manter algumas propriedades desejadas no produto final, como umidade e maciez, além de evitar a proliferação de fungos.
De acordo com as investigações feitas pelo MAPA, o propilenoglicol fornecido para o uso na produção dos petiscos estava adulterado e continha resíduos de etilenoglicol. A partir dos primeiros casos suspeitos e do começo das investigações, o Ministério determinou a interdição da fábrica da Bassar e o recolhimento dos petiscos. Como medida preventiva, a Anvisa publicou uma resolução para proibir o comércio, a distribuição, a manipulação e o uso de dois lotes de propilenoglicol da empresa Tecno Clean Industrial Ltda. Essa substância é permitida na alimentação animal desde que adquiridas por meio de empresas registradas no MAPA. A Tecno Clean Industrial Ltda, no entanto, não tinha uma licença no Ministério para fornecimento de matéria-prima para a indústria de alimentação animal, e portanto, não poderia vender e distribuir o ingrediente propilenoglicol para a produção dos petiscos.
Situações assustadoras como essa, felizmente, não são comuns, mas nos trazem a atenção para a importância de adquirir alimentos de empresas com bons padrões de controle na fabricação de seus produtos. Tanto a empresa que produz o alimento final como quem fornece a matéria prima devem ter o registro no MAPA, tendo cuidado com a qualidade, a segurança e a rastreabilidade do processo de fabricação como um todo.
Nota Adicional (18/09/2022): Além do recolhimento dos petiscos produzidos pela Bassar Pet Food, produtos de outros fabricantes foram identificados pelo MAPA como contaminados com etilenoglicol também – das empresas FVO Alimentos Ltda., Peppy Pet Indústria e Comércio de Alimentos para Animais, Upper Dog Comercial Ltda, Petitos Indústria e Comércio de Alimentos.
Relação atual dos produtos contaminados:
- Bifinho Bomguytos sabores frango e churrasco (FVO Alimentos Ltda.)
- Bifinho Qualitá sabor churrasco (FVO Alimentos Ltda.)
- Dudogs (FVO Alimentos Ltda.)
- Bifinho Peppy Dog frango grelhado (Peppy Pet)
- Palitinho Peppy Dog carne com batata-doce (Peppy Pet)
- Palitinho Peppy Dog frango com ervilha (Peppy Pet)
- Bifinho Peppy Dog carne assada (Peppy Pet)
- Bifinho Peppy Dog filhotes — leite e aveia (Peppy Pet)
- Palitinho Peppy Dog carne com cenoura (Peppy Pet)
- Dogfy injetado tamanho PP, P e M (Upper Dog)
- Dental Care (Bassar Pet Food)
- Every Day (Bassar Pet Food)
- Petz Snack Cuidado Oral (Bassar Pet Food)
- Todos os petiscos – Petitos