O manejo nutricional é um dos pilares mais importantes no tratamento de doenças em cães e gatos. Quando o animal tem mais de um problema de saúde ao mesmo tempo, escolher o alimento certo pode ser um grande desafio. O médico-veterinário especializado em nutrição e nutrologia de cães e gatos precisa levar em conta como os nutrientes interagem entre si e como afetam cada órgão, ajustando a quantidade de energia e nutrientes como proteína, minerais e gorduras para manter o equilíbrio do corpo e a qualidade de vida do pet.
1. Doenças renais e cardiopatias
Em pacientes com doença renal crônica e cardiopatias, a prioridade é reduzir o sódio e o fósforo, mantendo uma quantidade moderada de proteína de boa qualidade e fácil digestão. Essa abordagem reduz a sobrecarga nos rins e no coração, ao mesmo tempo que previne a perda de massa muscular.
Também é indicado o uso de suplementos com ômega-3, um tipo de gordura que tem ação anti-inflamatória e ajuda a proteger os rins e o coração.
2. Hepatopatias e pancreatites associadas
Pacientes com doenças hepáticas (doenças localizadas no fígado) frequentemente apresentam redução da capacidade metabólica de proteínas e gorduras, exigindo formulações com proteína de alta qualidade e teor moderado, além de fontes de carboidrato de fácil digestão e baixa gordura.
Quando há pancreatite concomitante, ou seja, uma inflamação no pâncreas associada, a dieta deve priorizar gorduras abaixo de 10% da matéria seca, evitando sobrecarga pancreática e prevenindo recidivas. Nesses casos, o uso de fibras solúveis (que ajudam o intestino a funcionar melhor) e prebióticos (que alimentam as bactérias boas do intestino) melhora a digestão. Vitaminas e antioxidantes também são importantes para ajudar na recuperação do fígado.
3. Dermatopatias, gastroenteropatias e obesidade
Muitos animais com doenças de pele, como alergias alimentares e dermatite atópica, também têm alterações gastrointestinais e obesidade. Essas condições costumam estar ligadas à inflamação e a um desequilíbrio da microbiota intestinal, que estão relacionadas com as bactérias boas do intestino.
O ideal é iniciar uma dieta com proteínas “novas”, ou seja, que o animal nunca comeu antes. Além disso, as proteínas hidrolisadas (quebradas em partes menores) são uma boa opção para reduzir a reação alérgica. Essas dietas ajudam a diminuir a coceira, a inflamação da pele e as manifestações gastrointestinais.
Além disso, gorduras boas como os ácidos graxos poli-insaturados (ômega-3) ajudam na saúde da pele, reforçam a barreira cutânea e contribuem para o emagrecimento de forma saudável.
Já nos pets obesos, é importante oferecer uma dieta com menos calorias e mais fibras, para aumentar a sensação de saciedade e melhorar o funcionamento do intestino. Isso também ajuda a reduzir os alterações associadas as alergias e inflamações.
4. No caso de pacientes oncológicos, o que fazer?
Pacientes oncológicos geralmente perdem peso e massa muscular com facilidade (caquexia), podem ter alterações no metabolismo (a forma como o corpo lida com os nutrientes e produz energia), além da inflamação presente no corpo.
Nesses casos, a dieta deve ser mais calórica, com alta quantidade de proteína de boa qualidade e pouco carboidrato simples (como açúcares). Desse modo, o corpo do animal consegue manter a massa magra e evita alterações como a hiperglicemia. O uso de suplementos com ômega-3 também é recomendado, pois ajuda a reduzir a inflamação e fortalece o sistema imunológico.

Importância da individualização nutricional
Cada doença altera o metabolismo de forma específica. Por isso, a individualização da dieta, ajustando quantidades de proteína, energia, minerais e lipídios, é o ponto central para o sucesso clínico. O nutrólogo deve sempre avaliar:
1. Estágio de cada doença;
2. Escore de condição corporal e escore de massa muscular;
3. Aceitação alimentar e palatabilidade;
4. Monitoramento laboratorial periódico.
Esse acompanhamento contínuo é o que permite compatibilizar as demandas metabólicas do animal com as restrições impostas pelas doenças. Dependendo do caso, o médico-veterinário especializado em nutrologia pode prescrever dietas caseiras ou selecionar uma dieta comercial que se adeque bem às necessidades do animal.
Referências Bibliográficas
Center S. A. (1998). Nutritional support for dogs and cats with hepatobiliary disease. The Journal of nutrition, 128(12 Suppl), 2733S–2746S. https://doi.org/10.1093/jn/128.12.2733S
Sanz, Y., & Moya-Pérez, A. (2014). Microbiota, inflammation and obesity. Advances in experimental medicine and biology, 817, 291–317. https://doi.org/10.1007/978-1-4939-0897-4_14HALL, J. A. et al. Effects of dietary omega-3 fatty acids on dogs with naturally occurring chronic kidney disease. Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 33, p. 1195–1206, 2019. DOI: 10.1111/jvim.15471.
Cave NJ (2001). The nutritional management of food hypersensitivity in dogs and cats: an assessment of a protein hydrolysate [master’s thesis]. Palmerston North (NZ): Massey University.
Polzin D. J. (2011). Chronic kidney disease in small animals. The Veterinary clinics of North America. Small animal practice, 41(1), 15–30. https://doi.org/10.1016/j.cvsm.2010.09.004
Tolbert, M. K., Murphy, M., Gaylord, L., & Witzel-Rollins, A. (2022). Dietary management of chronic enteropathy in dogs. The Journal of small animal practice, 63(6), 425–434. https://doi.org/10.1111/jsap.13471
Jensen, K. B., & Chan, D. L. (2014). Nutritional management of acute pancreatitis in dogs and cats. Journal of veterinary emergency and critical care (San Antonio, Tex. : 2001), 24(3), 240–250. https://doi.org/10.1111/vec.12180
Wernimont, S. M., Radosevich, J., Jackson, M. I., Ephraim, E., Badri, D. V., MacLeay, J. M., Jewell, D. E., & Suchodolski, J. S. (2020). The Effects of Nutrition on the Gastrointestinal Microbiome of Cats and Dogs: Impact on Health and Disease. Frontiers in microbiology, 11, 1266. https://doi.org/10.3389/fmicb.2020.01266
Mauldin GE. Nutritional Management of Oncologic Diseases. In: Fascetti AJ, Delaney SJ, editors. Applied Veterinary Clinical Nutrition. Chichester: Wiley; 2023. Chapter 19. DOI: 10.1002/9781119375241.ch19.