A doença renal crônica (DRC) é uma doença bem comum em cães e gatos idosos e é caracterizada pela perda progressiva e irreversível das células dos rins: os néfrons. Nela, os rins começam a ter dificuldade em desempenhar suas funções, sendo a principal delas filtrar o sangue, perdendo a capacidade de reabsorver e eliminar substâncias tóxicas. Assim, animais com DRC podem apresentar proteinúria (perda de proteínas na urina) e hiperfosfatemia (aumento do fósforo no sangue), o que resulta em alterações clínicas importantes, levando a progressão mais rápida da doença.
A inflamação crônica nos rins leva à produção de mediadores inflamatórios que agem no centro da fome, em uma região do cérebro chamada de “hipotálamo”, resultando em saciedade precoce, ou, mais popularmente, “falta de apetite”. Além disso, tais mediadores estimulam o consumo de proteínas da musculatura, causando perda de massa magra nesses pacientes (processo chamado de caquexia), que é agravada quando eles não se alimentam adequadamente. Por ser uma doença crônica e progressiva, a DRC é classificada em 4 estágios, sendo o primeiro e segundo considerados estágios iniciais e, terceiro e quarto, estágios avançados.
O manejo dietético é a chave para retardar a progressão da doença e consequentemente aumentar a expectativa e qualidade de vida desses pacientes. O principal ponto da dieta para esses casos é reduzir o teor de fósforo, porém, como a principal fonte de fósforo são proteínas de origem animal (principalmente carnes vermelhas), a dificuldade em reduzir este elemento na dieta sem reduzir a inclusão de proteínas é muito grande.
O grau de redução do fósforo depende do estágio da doença do animal. A “Internacional Renal Interest Society” (IRIS), uma sociedade de estudiosos em doença renal na veterinária, recomenda reduzir os teores de fósforo nos estágios iniciais, porque, acredita-se que o teor reduzido de proteínas na dieta também possa ajudar no controle da perda proteica via urina (proteinúria), que também ocorre por diversos motivos, inclusive a pressão alta e, consequentemente, se a proteinúria for controlada, as lesões nos rins também podem ser reduzidas. Estudos recentes apontam que a discreta REDUÇÃO de proteína pode ser mais benéfica do que a RESTRIÇÃO proteica (fornecimento abaixo da necessidade mínima), mas faltam evidências para se saber ao certo a quantidade ideal de proteína que um cão ou gato com DRC deve ingerir.
Vale ressaltar que cães e gatos são animais carnívoros, ou seja, possuem maior necessidade de aminoácidos essenciais presentes em proteínas de origem animal, sendo este nutriente a principal fonte de energia para eles, além de ser muito importante para a palatabilidade do alimento.
Então, a polêmica da proteína vem deste cenário: são animais carnívoros que possuem maior necessidade de proteína provinda da dieta e, o alimento com mais proteína o torna mais palatável! MAS… ao mesmo tempo, possuem doença renal crônica, o que implica na redução de fósforo e proteína da dieta para controle da hiperfosfatemia e proteinúria e, assim, retardar a progressão da doença.
Como é possível então reduzir os teores de fósforo sem reduzir em demasiado a proteína da dieta?
A resposta para esta pergunta é: por meio do emprego de proteínas de origem animal de alta digestibilidade! Desta forma, a inclusão da proteína será mínima na dieta e, melhor aproveitada pelo organismo, com menor formação de subprodutos e toxinas associadas a proteínas de origem vegetal, que possuem menores teores de fósforo. Ou seja, não é necessário e nem recomendado que sejam excluídas todas as fontes de proteína da dieta (uma vez que isso pode resultar em desnutrição proteica), mas sim, que saibamos BALANCEAR a sua inclusão para que não prejudique a nutrição do animal ou piore a doença.
É importante lembrar que a alta ingestão de proteína em cães e gatos saudáveis não está associada ao desenvolvimento da doença renal crônica nesses animais.
Existem estudos que comparam a sobrevida de cães e gatos que receberam dieta renal, dos que não receberam e, os resultados retratam que os animais que se alimentaram de dieta renal tiveram menor número de crises que implicam em internação, melhora na qualidade de vida, redução da taxa de progressão da doença e, consequentemente, viveram mais tempo quando comparado aos que não comeram. Ainda, existem estudos que mostram que a caquexia está relacionada com menor sobrevida de pacientes renais. Por isso, é extremamente importante o fornecimento de dieta renal aos pacientes e o acompanhamento nutricional com um médico-veterinário nutrólogo.
Referências
International Renal Interest Society (IRIS). Treatment recommendations for CKD in dogs. IRIS LTD., pp. 1-20, 2023. Disponível em: http://www.iris-kidney.com/pdf/IRIS-DOG-Treatment_Recommendations_2023.pdf
International Renal Interest Society (IRIS). Treatment recommendations for CKD in cats. IRIS LTD., pp. 1-17, 2023. Disponível em: http://www.iris-kidney.com/pdf/IRIS_CAT_Treatment_Recommendations_2023.pdf